O Rio de fevereiro



O Rio de fevereiro
Por Henrique Nelson Calandra e Sérgio Ricardo do Amaral Gurgel

Não há lugar do planeta tão reverenciado pela beleza quanto a cidade do Rio de Janeiro. O litoral contornado por morros como o Pão de Açúcar, que dão vistas para o infinito do Atlântico, fazem do carioca um povo feliz por natureza. Entretanto, qualquer pessoa que resida ou venha visitar a região não tardará em perceber os inúmeros contrastes da terra de São Sebastião. As contradições, que começaram desde o período pré-colonial, agora saltam aos olhos do mundo com o decreto de intervenção federal.

Na primeira metade do século XVI, o desinteresse da Coroa Portuguesa por suas conquistas ultramarinas permitiu a formação da França Antártica, que acabou sendo desmantelada pelos legítimos possuidores, em virtude das constantes investidas militares conhecidas como Expedição Guarda-
Na primeira metade do século XVI, o desinteresse da Coroa Portuguesa por suas conquistas ultramarinas permitiu a formação da França Antártica, que acabou sendo desmantelada pelos legítimos possuidores, em virtude das constantes investidas militares conhecidas como Expedição Guarda-Costas. O incidente bélico já era uma prévia do que iria ocorrer nos séculos posteriores, em que pessoas unidas pelos mesmos laços culturais passariam a se enfrentar em luta de morte, assim como fizeram as nações indígenas associadas ao homem branco europeu, em uma guerra com objetivos completamente estranhos aos seus interesses.

Desde então, o espaço físico que hoje compreende o município Rio de Janeiro jamais perdeu a sua posição de destaque na historiografia nacional. Por suas praias vieram os jesuítas carregando a cruz do Redentor, que hoje assiste a tudo do alto do Corcovado; dos seus campos partiram os bandeirantes para envergar a linha de Tordesilhas; e em seu terreno tomado de pedras ergueram-se os prédios que abrigaram a monarquia; o primeiro Banco do Brasil; a Biblioteca Nacional; o Teatro Municipal; o Forte de Copacabana; e o Palácio do Catete,

Desde então, o espaço físico que hoje compreende o município Rio de Janeiro jamais perdeu a sua posição de destaque na historiografia nacional. Por suas praias vieram os jesuítas carregando a cruz do Redentor, que hoje assiste a tudo do alto do Corcovado; dos seus campos partiram os bandeirantes para envergar a linha de Tordesilhas; e em seu terreno tomado de pedras ergueram-se os prédios que abrigaram a monarquia; o primeiro Banco do Brasil; a Biblioteca Nacional; o Teatro Municipal; o Forte de Copacabana; e o Palácio do Catete, em que as decisões governamentais eram proferidas em última instância para as demais unidades da Federação.

Em razão de o grande capital ter ficado concentrado no Rio de Janeiro, inevitavelmente, todo o resto a ele agregado não poderia deixar de se ambientar ao redor, sem qualquer possibilidade de triagem quanto aos respectivos efeitos de cunho sociológico. Assim, em paralelo ao grandioso parque industrial, implantado sem a mínima infraestrutura no setor de habitação e transporte, foram germinando as favelas.

Os anos foram passando, e o inchaço populacional, agravado pela intensa imigração de todas as regiões do país, transformou rios, praias e lagoas em verdadeiros esgotos a céu aberto; nas proximidades dos grandes hotéis, proliferou-se a prostituição; e em virtude da ausência de políticas públicas para proporcionar o mínimo de oportunidade para a maioria da população, veio, sorrateiramente, a violência.

A omissão dolosa dos governantes em todas as esferas do poder transferia para as polícias a responsabilidade de promover a segurança pública. Obviamente, o máximo que poderia ser feito a base de ferro e fogo era a tarefa de colocar o pobre — sempre visto como bandido em potencial — em seu devido lugar, em nome de uma suposta paz social. Há de convir que, em uma cidade onde a maior favela do mundo fica ao lado de um clube de golfe, e apenas uma rodovia de mão dupla a separa dos luxuosos condomínios com vista para o mar (onde até governadores e presidentes da República já fixaram residência), o papel da polícia, indubitavelmente, por muito tempo, foi desempenhado com maestria.

Ocorre que, nos dias atuais, os antigos métodos não produzem mais os efeitos esperados. A crise econômica, somada ao saque das riquezas do povo fluminense orquestrado pelas organizações criminosas extraídas das urnas, antecipou o inevitável. O caos tomou conta das ruas, e não há mais lugar onde a integridade física do cidadão não fique sob dano iminente, independentemente da hora e do dia. Quem anda com a janela do carro aberta, por exemplo, ou atende ao comando do sinal vermelho se revela como um ingênuo forasteiro que acaba de chegar à cidade para uma estreia inesquecível; e aquele que se atreve a utilizar o celular enquanto caminha pelas ruas, se não foi o próprio autor da subtração do aparelho, talvez padeça de alguma anomalia que mereça ser avaliada em minucioso exame clínico.

Foi nesse clima que o povo carioca passou a clamar por socorro, de preferência advinda das Forças Armadas. A população do Rio de Janeiro, assim como a do resto do país, não tinha a menor ideia de como tal providência poderia ser tomada de modo a envolver os militares em um projeto emergencial de segurança pública. Com o baixíssimo grau de instrução e escolaridade, obviamente não era de se esperar que a multidão tivesse ciência a respeito dos dispositivos constitucionais relativos a um problema jurídico e social de alta complexidade. Por esse motivo, até hoje há quem denomine de "intervenção militar" o conjunto de medidas em andamento.

O certo é que o presidente Temer atendeu ao chamamento perante a cúpula do governo estadual, que, diante das câmeras, e sem qualquer constrangimento, admite o colapso, embora se esquive do debate sobre as relações de causa e efeito. Depois de dois anos de assassinatos de policiais militares na proporção de um a cada dois dias, quem poderia esperar um Carnaval de ordem e paz? Talvez apenas o prefeito do Rio de Janeiro, que estava na Suécia, em suposta missão cultural, no intuito de importar dos nórdicos a tecnologia para lidar com a miséria, entre outros problemas tipicamente europeus, como ausência de área disponível para a construção de camelódromos, desfiles de escola de samba, febre amarela, desabamento de ciclovias etc. Ironias à parte, de fato deveríamos ao menos ter aprendido com o primeiro mundo como planejar e executar medidas extremas de restauração da ordem pública com seriedade e competência.

Como o instituto da intervenção federal ainda não tinha sido aplicado sob a égide da atual Constituição da República, o procedimento adotado pelo governo para responder às gravíssimas questões de segurança vem causando perplexidade. O primeiro passo foi dado pelo presidente ao anunciar em rede nacional o conteúdo do seu decreto. Nesse aspecto, o Brasil inovou na arte da guerra, pois antes de invadir a área de conflito, pediu, gentilmente, para que o inimigo o esperasse, pois havia uma burocracia a cumprir, "coisa e tal" (só faltava distribuir senha para os bandidos e pedir para que retornassem em nova data, como de costume na administração pública).

Em seguida, foi dado início ao processo legislativo que o crime organizado teve a oportunidade de acompanhar pela televisão, com direito a um resumo exibido pelo Fantástico. Como se não bastasse, foi preciso enviar um relatório para o Tribunal de Contas da União, outro para a Advocacia-Geral da União, outro para o Ministério Público, e outro para o Ministério dos Direitos Humanos, até que as tropas, finalmente, fizessem a inserção nas áreas de risco. Porém, como os ajustem ainda não tinham sido concluídos, os combatentes, para não fugir ao estilo, passaram alguns dias elaborando relatórios sem nada poder fazer. Fazer o quê?

Pelas estradas que ligam o Rio de Janeiro aos estados vizinhos, é bem provável que os delinquentes tenham transitado tranquilamente. Em um país onde diariamente passam toneladas de drogas e armas pelas rodovias estaduais e federais, não é de se espantar que também atravessem pessoas, até porque, até agora, não se sabe exatamente quem estão procurando. Diziam que um dos marginais atende pelo apelido de "Cabelo Duro". Isso ajuda? Talvez um pouco, mas a imprensa informou que esse indivíduo integrava o PCC, facção criminosa que opera em São Paulo. Tudo é tão confuso que os soldados receberam a ordem para tirar fotos dos moradores exibindo a respectiva carteira de identidade, ou seja, uma "inovação" de improviso no tocante à legislação referente à identificação criminal.

Depois de anos lutando para a regulamentação da matéria instituída pela Lei 12.037/2013, visando garantir que os métodos de identificação não fossem utilizados inutilmente, sem fundado receio, ou que servissem de cruel instrumento para humilhar o cidadão, voltamos à estaca zero. Porém, quem sabe um desses perigosos traficantes, andando

Em razão de o grande capital ter ficado concentrado no Rio de Janeiro, inevitavelmente, todo o resto a ele agregado não poderia deixar de se ambientar ao redor, sem qualquer possibilidade de triagem quanto aos respectivos efeitos de cunho sociológico. Assim, em paralelo ao grandioso parque industrial, implantado sem a mínima infraestrutura no setor de habitação e transporte, foram germinando as favelas.
Os anos foram passando, e o inchaço populacional, agravado pela intensa imigração de todas as regiões do país, transformou rios, praias e lagoas em verdadeiros esgotos a céu aberto; nas proximidades dos grandes hotéis, proliferou-se a prostituição; e em virtude da ausência de políticas públicas para proporcionar o mínimo de oportunidade para a maioria da população, veio, sorrateiramente, a violência.
A omissão dolosa dos governantes em todas as esferas do poder transferia para as polícias a responsabilidade de promover a segurança pública. Obviamente, o máximo que poderia ser feito a base de ferro e fogo era a tarefa de colocar o pobre — sempre visto como bandido em potencial — em seu devido lugar, em nome de uma suposta paz social. Há de convir que, em uma cidade onde a maior favela do mundo fica ao lado de um clube de golfe, e apenas uma rodovia de mão dupla a separa dos luxuosos condomínios com vista para o mar (onde até governadores e presidentes da República já fixaram residência), o papel da polícia, indubitavelmente, por muito tempo, foi desempenhado com maestria.
Ocorre que, nos dias atuais, os antigos métodos não produzem mais os efeitos esperados. A crise econômica, somada ao saque das riquezas do povo fluminense orquestrado pelas organizações criminosas extraídas das urnas, antecipou o inevitável. O caos tomou conta das ruas, e não há mais lugar onde a integridade física do cidadão não fique sob dano iminente, independentemente da hora e do dia. Quem anda com a janela do carro aberta, por exemplo, ou atende ao comando do sinal vermelho se revela como um ingênuo forasteiro que acaba de chegar à cidade para uma estreia inesquecível; e aquele que se atreve a utilizar o celular enquanto caminha pelas ruas, se não foi o próprio autor da subtração do aparelho, talvez padeça de alguma anomalia que mereça ser avaliada em minucioso exame clínico.
Foi nesse clima que o povo carioca passou a clamar por socorro, de preferência advinda das Forças Armadas. A população do Rio de Janeiro, assim como a do resto do país, não tinha a menor ideia de como tal providência poderia ser tomada de modo a envolver os militares em um projeto emergencial de segurança pública. Com o baixíssimo grau de instrução e escolaridade, obviamente não era de se esperar que a multidão tivesse ciência a respeito dos dispositivos constitucionais relativos a um problema jurídico



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